Universitários petropolitanos x Domingos de Oliveira, antes da fama

05/04/2021 19:54:24
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Os Anos Dourados se encontravam no auge. A Bossa-Nova no seu apogeu. Boleros românticos acalentavam os sonhos de corações enamorados, como o som inconfundível do piano de “Waldir Calmon e seu Conjunto”. A moda do vestido “tubinho” ganhava a preferência das jovens. A venda dos produtos “Avon”, a domicílio, por suas representantes, era algo inovador. Brasília estava sendo construída e prestes a ser inaugurada.

Um clima de euforia e de otimismo envolvia as pessoas.

Os “Volks” – que ainda não tinham o apelido de “Fusca”- circulavam pelas ruas e avenidas de nossas cidades, com seu ruído peculiar, como o de um besourinho. Eles eram produzidos na fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campo (SP), iniciando o processo de industrialização do setor automobilístico, promovido pelo Presidente Juscelino Kubitschek.

Os brasileiros ainda vibravam com o primeiro título de “Campeão Mundial de Futebol”, da Copa de 1958, conquistada pela Seleção Brasileira, na Suécia, começando as carreiras vitoriosas de “Pelé” e de “Garrincha”.
Orgulhavam-se, ainda, com as vitórias do pugilista Éder Jofre (peso-galo) e da tenista Maria Esther Bueno, que obteriam muitos títulos mundiais, ao longo dos anos.

O filme “Orfeu do Carnaval” uma produção franco-brasileira, baseada na obra “Orfeu Negro” de Vinícius de Moraes (trilha sonora de Luís Bonfá e Tom Jobin), ganhava a “Palma de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, do Festival de Cannes de 1959”. No ano seguinte, na mesma categoria, recebia o “Oscar”. Os papeis principais eram interpretados pela atriz norte-americana Marpessa Dawn (radicada na França, desde a juventude), e pelo ator brasileiro, o gaúcho Breno Mello, ex-jogador de futebol.

O ator e diretor Anselmo Duarte dava início às filmagens de “O Pagador de Promessas” (do autor Dias Gomes), com o ator Leonardo Villar, que seria premiado com a “Palma de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro do Festival de Cannes de 1962”.

Na época, o acadêmico José Luís Chaves, presidia o Diretório Acadêmico Rui Barbosa (DARB), da Faculdade de Direito, da Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Era um universitário idealista, dinâmico e inovador. Teve conhecimento de que estava residindo na cidade, um jovem recém-formado, em Engenharia Elétrica, mas que se dedicava à arte, desde a meninice, em peças teatrais da escola. Ele havia sido Assistente de Direção de Joaquim Pedro de Andrade, em 1959, no curta metragem (documentário), “O Poeta do Castelo”, sobre o poeta Manoel Bandeira.
Tratava-se de Domingos de Oliveira, amante da “sétima arte” que, no futuro, se tornaria famoso, nacionalmente, como teatrólogo, ator, diretor, roteirista e cineasta. Tinha, pois, todos os requisitos para desenvolver atividades artísticas, no citado diretório. José Luís foi procurá-lo, fazendo-lhe o convite que, prontamente, foi aceito.

Os trabalhos no DARB, tiveram início naquele primeiro semestre de 1960 e, logo, atingiriam o seu apogeu. Todas terças-feiras, era exibido um filme documentário ou longa-metragem, seguido de uma análise e de um debate; e às sextas-feiras, palestras sobre teatro ou cinema, sempre sob a orientação de Domingos. Ele, também, auxiliado por duas estudantes da UCP, organizou uma reunião literomusical, às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Era a “Hora de Arte em Bossa Nossa”, que constava de números variados: declamações, diálogos, humorismo, canto, música. O nome “Bossa Nossa” foi escolhido, porque cada participante apresentava a sua aptidão, a sua bossa, e porque o ritmo “Bossa Nova” estava no auge.

O verdadeiro objetivo de José Luís, contudo, era criar o “Teatro Acadêmico da Faculdade Católica de Direito de Petrópolis”. Já contava com o afável, otimista e competente Domingos, como diretor, sendo muitos os candidatos a ator, só faltando escolher a peça. A selecionada foi “Sétimo Céu”, drama romântico escrito por Austin Strong, em 1922, um dramaturgo norte-americano. Além de encenada na Broadway, foi tema de um filme em 1927 e outro em 1937. Conta a história de Chico, um limpador de esgoto, em Paris, por volta de 1912. Ele se apaixona por Diana, uma jovem que ele resgatou da polícia, procurada por pequenas infrações. Ela vai morar no pequeno apartamento dele, no sétimo andar de um prédio modesto, para eles, o “sétimo céu”, mas passando por muitas vicissitudes, na vida.

Escolhidos os atores para os vários papeis, fomos à casa de Domingos para a primeira leitura dos textos. Coube a mim, o papel de Valentina, esposa do Pastor João Vulmir; a José Luís Chaves, o do Pastor João Vulmir; à Cecília (filha do médico e futuro prefeito, Dr. Nelson de Sá Earp), o de Diana; a Humberto Couy, depois substituído por Renato Tepedino, o de Chico; a Lucy Galluzi, o de Naná; a Fernando Juvenal da Cruz, o de Rato. E assim por diante, outros personagens como Padre Cheviont, Arlete, Recant, Brussac, Bull, Sr. Gobin, e seus respectivos intérpretes, até completar todo o elenco.

Depois deste primeiro encontro, a leitura dos textos era feita na sala do DARB, e passamos a ensaiar, em seguida, no palco do Teatro Mecanizado do Hotel Quitandinha (hoje, Palácio Quitandinha). A obtenção de um local tão nobre se deu, graças ao empenho de Domingos e de José Luís e ao prestígio de nosso reitor, o Dr. Arthur de Sá Earp.

Nós, componentes do elenco da peça, íamos e voltávamos do Quitandinha, no carrinho do colega Oceano Menezes (conjunto musical, “Kouruba e seus Stars Ligths”), na caminhonete de Domingos e na Kombi do Fernando Cruz. A última tinha a preferência dos “caronas”, por tratar- se de uma novidade, um lançamento da indústria Volkswagen. Momentos agradáveis, turma animada cantando, durante o percurso, as mais recentes melodias: A Noite Do Meu Bem, Tarde Fria, Chove Lá Fora, Além, Dindi, A Felicidade, Ouça, Meditação, Castigo, Estrada do Sol, Por Causa de Você.

Finalmente, depois de quase três meses de ensaio, foi marcada a data para a apresentação da peça, dia 20 de agosto de 1960. No entanto, ao retornarmos das férias de julho fomos surpreendidos por uma notícia desconcertante: a peça não seria encenada. A causa foi a desistência da intérprete do principal papel feminino, o de Diana, alegando motivos pessoais. Tal atitude causou um transtorno imenso ao diretor, que suspendeu a realização do espetáculo, pois não havia mais tempo de substituir a atriz por outra.
Domingos deixou Petrópolis tempos depois. Com isso morreu a “Hora de Arte em Bossa Nossa”, desapareceram as exibições de filmes, terminaram as reuniões, os debates, as palestras.

No ano de 1962, foi lançado o curta-metragem “ Couro de Gato”, no qual Domingos foi, mais uma vez, assistente de direção de Joaquim Pedro de Almeida.

A partir de 1966, no cinema, começou a sua carreira de sucessos, como diretor dos longa-metragens “Todas as Mulheres do Mundo” e, no ano seguinte, “Edu, Coração de Ouro”, com os atores Paulo José e Leila Diniz. Daí, em diante, seriam mais 17 filmes, sob a sua direção. Como roteirista, l8 filmes, dentre eles, “Dois Filhos de Francisco”; como ator, 9 filmes. Na televisão, foi diretor, em “Confissões de Uma Adolescente” (TV-Cultura / 1994-94); roteirista em mais 12 minisséries, como “Vestido de Noiva” e “Somos Todos do Jardim da Infância”; ator, em 3, como na minissérie “JK”, no papel de Jaime Ovalle.

Com a saúde debilitada, em 2017, preso a uma cadeira de rodas, dirigiu seu último trabalho, o longa (documentário) “Os 8 Magníficos”. Faleceu aos 82 anos de idade, em 23 de março de 2019, tendo deixado, no mundo artístico, o seu nome imortalizado.

 “MORRE O HOMEM, FICA A FAMA” (Ataulfo Alves)

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