CARTA DE ADEUS AO CINEMA ELDORADO

27/05/2023 19:47:49
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(Carta entregue ao Sr. Rubem Leal Pinto, proprietário do Cinema Eldorado, no último dia do seu funcionamento, em 31 de maio de 1976)

ELDORADO, adeus!

Talvez pareça excesso de sentimentalismo, mas a verdade é que chorei, quando tive a certeza de que o Eldorado iria acabar.

Para mim, aquela casa de espetáculos não era apenas um prédio, um imóvel, algo inanimado; para mim, era um relicário precioso, o templo sagrado das minhas recordações infanto-juvenis.

Parece-me que nunca me importei com o passar do tempo, todas as imagens queridas do passado estavam ali, vivas, intactas, guardadas, protegidas pelas paredes do Eldorado, como em um cofre, podendo ser evocadas, quando eu desejasse.

Assim, repentinamente, voltava a ser a menina de três anos de idade, chorando, ao ir ao cinema, pela primeira vez, conduzida pela mamãe, para ver o filme Pássaro Azul, com Shirley Temple. E nunca mais deixaria de frequentá-lo.

Os filmes se sucediam: desenhos animados, o Gordo e o Magro, Tarzan, Cantinflas, fitas em série, como Flash Gordon etc. O tempo passou. A adolescência foi chegando e, com ela, a emoção do primeiro amor.

As sessões das três e meia, das tardes de domingo, eram o ponto de encontro da juventude friburguense. Quem não chegasse com uma hora de antecedência, não encontrava lugar. Lá fora, as filas se alongavam para a compra dos ingressos, enquanto lá dentro, pelos corredores em torno das fileiras de poltronas, a rapaziada fazia o “footing” (antes do apagar das luzes), provocando o pulsar descompassado de muitos corações.

Não sei o que era mais sensacional, se as emoções decorrentes das cenas dos filmes ou as provocadas pelos acontecimentos na plateia. Mas a advertência “é proibido guardar lugares”, prejudicava muita gente, cuja única oportunidade de um encontro era o apagar das luzes.

Naquela sala de projeções, ao longo do tempo, quantos encontros e desencontros, quantos inícios e fins de romances, quantas alegrias e quantas mágoas, ao ver a pessoa amada ao lado de outra.

Os filmes marcaram o apogeu do cinema, não só em nossa cidade, como em todo o mundo. Os artistas eram verdadeiros astros inatingíveis, que brilhavam esplendorosos, no céu da fama: Ava Gardner, Sofia Loren, Tony Curtis, Elizabeth Taylor, Elvis Presley, James Dean, Gina Lollobrigida, Grace Kelly, Marlon Brand, Victor Mature, Marilyn Monroe, Glenn Ford, Burt Lancaster, Robert Taylor, Clark Gable, Brigitte Bardot, Paul Newman e muitos outros.

Agora, com o ruir das paredes do Eldorado, todos estes sonhos e recordações ficarão órfãos, ao desabrigo, vagando errantes à procura de outro abrigo.

No dia 31 de maio de 1976 o Cinema Eldorado encerrava as atividades para sempre.

A geração atual não pode compreender.

Uma única coisa me consola e me orgulha, é eu poder dizer com toda a força do meu coração:

EU VIVI NA ÉPOCA DO ELDORADO!

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