Em 20 de maio ano de 1931, o jovem médico Salim Lopes comprou um terreno na Rua Jacome (atual Fernando Bizzotto), Centro, Nova Friburgo, de propriedade do Sr. Flávio Gonçalves Dias e de sua esposa, a Sra. Hercília da Silva Dias, por cinco contos de reis, com recursos de um imóvel que herdara de seu pai, o libanês Rathar Leppus (Lopes), falecido em 15 de maio de 1923. Tratava-se de um prédio, constituído de térreo (loja) e sobrado, na cidade de Rio Bonito (onde a família Lopes havia morado, antes de vir para Nova Friburgo), na Rua 15 de Novembro – em frente à Praça Fonseca Portela, onde está a Igreja Matriz – desapropriado para o alargamento da Rua 9 de Abril, recebendo do poder público a indenização de vinte e dois contos de reis.
Ainda no ano de 1931, já noivo da carioca Zuleika Esteves Ferreira Alves, Salim iniciou a construção da casa, deixando-a aos cuidados do seu irmão José Rathar Lopes, pois ainda se encontrava com compromissos no Rio de Janeiro, onde era auxiliar de cirurgia do médico Dr. Pedro Ernesto.
Numa das vezes que veio a Friburgo, se surpreendeu, pois a casa que deveria ser térrea, fora acrescida de um andar superior. A ordem partira de seu irmão José, que achou por bem aproveitar os benefícios de um decreto municipal que, na época, concedia a isenção do pagamento do IPTU, por dez anos, a quem construísse um sobrado.
Os recursos de que Salim dispunha se limitavam a uma construção mais modesta e, com o acréscimo, contraiu uma dívida de cinquenta contos de reis, sem esperar.
Quem lhe emprestou a quantia necessária, foi o seu irmão José, comerciante próspero, estabelecido com a “Casa Lopes”, em sociedade com sua mãe Nede Lopes, na Rua General Argolo 52, em frente à Estação Ferroviária (atual Alberto Braune 230, hoje Prefeitura Municipal). Em garantia do empréstimo, Salim hipotecou o prédio em construção, ao irmão, dívida que seria resgatada, ao longo de alguns anos.
Em 1932, com a obra concluída e livre dos seus compromissos no Rio, Salim instalou o seu consultório médico, na parte térrea da casa, dando início ao exercício de sua longa carreira profissional, em Nova Friburgo.
Em setembro de 1933, Salim e Zuleika se casaram no Rio de Janeiro. Chegando ao novo lar, a noiva encontrou um vistoso quadro do Sagrado Coração de Jesus, numa das paredes da sala de visitas, colocado por sua sogra Nede Lopes, que se encontra no mesmo lugar, até hoje.
A filha do casal – que nasceu na casa em questão – vivenciaria, com seus pais, os sons que caracterizavam aquela época:
Galos cantando nos quintais; sirenes das várias indústrias (inclusive da Oficina Bizzotto) anunciando o começo das atividades, de um novo dia; o ritmo cadenciado dos tamancos de madeira dos operários, que iam trabalhar, em contato com o calçamento; o apito dos trens, em momentos mais silenciosos do dia; músicas de Bob Nelson, cantadas pelo condutor da carrocinha do lixo, puxada por um burrinho; mercadorias apregoadas por vendedores, como leiteiros, verdureiros, tripeiros, peixeiros, garrafeiros; o tilintar das campainhas penduradas nos pescoços das mulas, “madrinhas” das tropas que traziam legumes e verduras do interior; o ranger dos carros de bois; os gritos graves, prolongados, disciplinadores de peões que conduziam a boiada, de madrugada, enquanto a população dormia, pela avenida que margeia o Rio Bengalas, onde sapos coaxavam.
Acordes de vários instrumentos musicais, também, povoavam o ambiente, como os dos longos ensaios da Banda Campesina Friburguense. À tarde, o destaque era o disco que uma vizinha colocava na vitrola, um tango envolvente, na voz do imortal Carlos Gardel.
Vozes infantis, à noitinha, preenchiam a rua tranquila, com variadas cantigas de roda e outras brincadeiras da criançada. .
Ouviam-se, muitas vezes, pelas nove ou dez horas da noite (na época, considerada altas horas), os acordes dissonantes e repetitivos que “Xandoca”- um pretinho, muito querido e popular- tirava de seu pequeno cavaquinho, enquanto caminhava pela rua deserta e mal iluminada. Uma atmosfera nostálgica pairava no ar.
O casal que morou no mesmo endereço, por seis décadas, viu o nome da rua mudar por várias vezes: Jacome, Ministro Vianna do Castelo, 13 de Maio, da Campesina e Fernando Bizzotto. A sua primeira denominação foi em homenagem ao proprietário que doou o terreno, por volta de 1858, para a abertura da rua. Diziam ser o Sr. Jacome da família Bizzotto, irmão de Giovanni Bizzotto e tio de Ernesto, Valentim e Fernando Bizzotto mas, segundo o saudoso comerciante José Newton Bizzotto (baseado em pesquisa do historiador Carlos Jayme Jaccoub), o doador não pertencia à citada família, e o seu nome completo era Luís Jacome de Abreu e Souza. A confusão foi motivada por haver um Jacome, no clã dos Bizzotto.
Durante toda a década de 1940, foi Rua da Campesina, devido estar ali instalada a sede da Banda Musical Campesina Friburguense, desde 16 de fevereiro de 1896. Com a sua mudança, nos primeiros anos da década de 1950, para a continuação da Rua Governador Portela (atual Prefeito José Eugenio Muller), passou a ser denominada Fernando Bizzotto, responsável pela Oficina Bizzotto, bem-sucedida carpintaria e serralheria.
Quanto ao imóvel, que está completando o seu 93º aniversario, neste ano, se encontra tombado desde 26 de dezembro de 2012, pelo Decreto Municipal nº 268, art. 7º, inciso 10, para alegria dos descendentes de Salim Lopes e de Zuleika Alves Lopes, dos apreciadores das tradições e da História e dos que se empenham em preservá-las.









