Eu me lembro, muito bem, que aquele 4 de setembro de 1964, sexta-feira, ano bissexto, amanheceu encoberto, acinzentado, muito diferente dos dias anteriores. As nuvens estavam muito baixas, encobrindo as montanhas, e uma garoa fina caia sem cessar. Seria um dia comum, como tantos outros dias chuvosos, se uma tragédia não tivesse acontecido: um avião de passageiros se chocara contra o Pico da Caledônia.
À medida que o tempo passava, iam chagando detalhes do ocorrido, ia se tendo a noção da gravidade do mesmo. Tratava-se de um Viscount da Vasp que saíra do Recife com destino a São Paulo, com 39 pessoas a bordo, dentre passageiros e tripulantes, não havendo sobreviventes. A aeronave já passara muito baixa pela região do Cônego, segundo um morado do local, o que lhe causou estranheza.
Pessoas de boa vontade se organizaram, logo, em equipes de resgate, na esperança de prestar algum socorro, mas só encontraram corpos mutilados, dilacerados, em pedaços, pelo chão. Em meio aos abnegados, muitos inescrupulosos subiram a montanha, com a finalidade de saquear os pertences das vítimas. O sinistro se deu, na época, dos preparativos da “Festa da Cerveja” realizada, por ocasião do feriado prolongado da Independência, no incipiente Clube Caledônia. Seus organizadores não sabiam como proceder, se suspendiam ou não o evento. Naquele tempo, ele tinha um renome nacional (como a Oktoberfest de Blumenau, nos dias atuais). Era uma festividade grandiosa, que trazia muitos turistas de diversas regiões do Brasil, fazendo parte do calendário turístico de nossa cidade. Portanto, com muitos meses de antecedência, contratos haviam sido firmados com bandas e conjuntos do Sul, e com fornecedoras de chope e cerveja; centenas de convites vendidos; ingredientes, para o cardápio, adquiridos.
Diante de circunstâncias tão prementes, não houve outra alternativa, a não ser realizar a famosa “ Festa da Cerveja”.
Passados cinquentas anos de um episódio tão lamentável, sempre que o dia está cinzento, que nuvens densas encobrem as montanhas, que a chuva fina goteja como lágrimas, a recordação do acidente aéreo da Caledônia é uma imagem muito viva, sofrida e constante na minha memória.
Republicada em 04/09/2015