Publicado em 14/10/2017
A figura da primeira professora constitui algo de muito marcante em nossas vidas, principalmente, se ela é a única durante todo o Curso Primário.
Há algumas décadas, era muito comum a “Professora de Primeiras Letras” ou a “Professora Particular” que lecionava em sua própria casa. Eu mesma tive o privilégio de viver tal experiência.
Ao completar seis anos de idade, ganhei uma pasta escolar de couro (naquele tempo não se usava mochila), de minha avó materna. Fiquei tão entusiasmada, que não quis esperar pelos sete anos, para ir para o colégio, como era de costume, na época.
Não existia “Jardim de Infância”, ninguém falava “Curso de Alfabetização” e sim, aprender as primeiras letras ou o “b a bá”. Ainda se soletrava…
Assim, fui confiada, pelos meus pais, aos desvelos e à competência da professora Noêmia Carvalho, a “Dona Noêmia”. Que feliz e acertada decisão!
Residindo com a senhora sua mãe, D. Mariquinha, na Av. Rui Barbosa, nº 11 (atual Galdino do Valle), usava um dos quartos da casa, como sala de aula. Mais tarde, se instalaria na garagem, que não era usada para a sua destinação.
Não havia quadro negro. No lugar de carteiras, os alunos se acomodavam em extensos bancos de madeira, em torno de uma longa mesa, enquanto D. Noêmia ocupava a cabeceira.
A preocupação em observar regras didáticas e princípios pedagógicos não existia, mas um lema a norteava: dar o máximo de si, em prol da instrução de seus alunos, conhecimentos básicos que serviriam de sólidos alicerces para a construção do edifício cultural de cada um.
Com que carinho segurava, em suas mãos, as mãozinhas dos alunos, que mal equilibravam um lápis entre os dedos!…
Empenhava-se, ao máximo, para que seus discípulos tivessem uma boa letra e, para isto, dava-lhes constantes tarefas em cadernos de caligrafia, adquiridos n’ O Palácio dos Livros do “Seu” Dominguinhos, n’ O Empório de Papeis do Sr. Bernardino Gomes e na Papelaria Simões do Sr. Simões e, depois, do Sr. Manoel Alves de Souza.
Não descuidava da Tabuada, do Português, insistindo nas diversas formas de análises, na conjugação dos verbos em todos os tempos e modos, na leitura, no ditado e, principalmente, na redação (talvez, se não tivesse tido um ótimo “Primário”, hoje, encontrasse dificuldade em redigir estas linhas).
À medida que se era promovido, deixava-se o lápis pela caneta, que a todo momento tinha a sua pena molhada em vidros de tintas “Sardinha”, “Parker” ou “Pelikan”, fazendo-se, cuidadosamente, o uso do mata-borrão (ainda não existia a caneta-tinteiro e muito menos a esferográfica).
Ao chegar-se ao fim do curso, levava-se um bom conhecimento de História do Brasil, noções de Ciências Naturais, o domínio d As Quatro Operações e, em Geografia, sabia-se o nome de todas as capitais do Continente Americano, da Europa e da Ásia (a maior parte dos atuais países da África estava sob a administração de grandes potências mundiais).
O tempo passava – o limite dos onze anos, para se prestar o Exame de Admissão ao Ginásio, estava próximo – e D. Noêmia se preocupando com o desempenho de seus alunos, em nova etapa da vida estudantil, dava-lhes noções de Francês.
E assim, ao ingressar no “Colégio Na. Sa. das Dores”, aprovada no primeiro concurso que prestara, deixava a escola de D. Noêmia, mas ela estaria, para sempre, incorporada à minha vida. Tornamo-nos grandes amigas.
Nunca deixei de procura-la, e a visitava sempre que podia. Em nossas conversas, eu lhe perguntava como conseguira tanto conhecimento, se ela não era professora diplomada, e ela me dizia que fora aluna das irmãs Carmen e Célia Sauerbron Silva, filhas da professora de piano, D. Emília Sauerbron Silva e do primeiro maestro da Banda Campesina Friburguense, Presciliano Silva.
D. Noêmia residiu com seus pais e suas irmãs Ofélia e Mercedes, na sua infância e parte da juventude, na Rua Visconde do Bom Retiro, nº 1 ( hoje, a loja “Leader – Magazine”, Rua Moisés Amélio) depois, na Rua Duque de Caxias e, por fim, na atual AV. Galdino do Valle. A sua irmã Ofélia faleceu, precocemente, e a outra, a Mercedes casou-se, indo morar, em Niterói.
As sementes do saber, lançadas por D. Noêmia, caíram em bons terrenos, germinaram, cresceram e deram bons frutos, lembrando a Parábola do Semeador pois , ao longo da vida estudantil, foram cercados do carinho, de outros mestres, cuidadosos hortelões, que se empenharam para que os frutos amadurecessem. Hoje, dão a sua contribuição, em vários setores da vida profissional, como médicos, advogados, professores, bancários, funcionários púbicos, comerciantes, etc.: Dr. Marcelo Gonçalves Pereira, Dr. Waldir Bastos, o saudoso Dr. Jeremias Schaustz e sua irmã, Dr. Eraldo Xavier de Brito, Eunice de Brito Lobo, Dr. Roberto Ismério, os filhos de D. Marcinha Sauerbron Noronha, os filhos do Sr. José Saldanha, as Profas. Ellen Dias Guahy, Yara e Iracema Vassallo, os irmãos Plínio e Roberto Vassallo, os irmãos Jardel e Romeu Palma, as saudosas Alideia Ismério, Teresinha Oliva, Ilza Gonçalves Pereira, a professora de piano Ida Myrian Bachini, Neyson e Herbert Lisboa, os irmãos Nuno, Antônio Carlos e Deolinda Barbosa, Roberto Magalhães, Maria Inês Jacob Santos Macário, as filhas do Sr. Deomário Thurler Costa, Elizabeth Nobre, Gelsa Teixeira, etc.
D. Noêmia Carvalho Pires Moraes passou à eternidade, no dia 2 de abril de 1989, aos 85 anos incompletos, passando a fazer parte da galeria das mestras que se tornaram imortais, pela maneira peculiar de transmitir os seus ensinamentos, como: Helena Coutinho, Lourdes Rangel Ventura, as irmãs Justina e Jandira Lima, Alzira e Hermínia Moura, Irene e Ítala Massa, Cely Ennes e outras.
Não poderia deixar de citar Conceição Abicalil e Maria da Penha Monteiro, do Amparo, que sendo professoras públicas possuíam aquele “que” de professora particular.
D. Noêmia, ao falecer, deixou o viúvo Heitor Pires Moraes, o “Cigano”, e os sobrinhos Ofélia e Ítalo Carvalho Simões.
Por toda a sua trajetória, posso afirmar que D. Noêmia foi uma grande mestra, U’A MESTRA COMO POUCAS.
Obs. Infelizmente não possuo foto da querida professora.