ADVOGADA DAS VÍTIMAS DEFENDEM TESE DE DUPLO FEMINICÍDIO –
Por Isabelle Resende – Jornal O Globo
Os desembargadores da Terceira Câmara Criminal do Rio de Janeiro negaram, por unanimidade, o pedido de anulação de sentença do julgamento do empresário Rodrigo Alves Marotti, responsável pela morte da artista plástica Alessandra dos Santos Vaz e da amiga dela, Daniela Mousinho, em 2019.
Levado ao Tribunal do Júri, em 2021, Rodrigo, ex-namorado de Alessandra, foi condenado pelo crime de incêndio com resultado morte.
A defesa das vítimas entrou com recurso pedindo que o réu fosse levado a um novo julgamento, desta vez pelo crime de feminicídio. A audiência de apelação foi realizada, remotamente, na tarde dessa terça-feira, 30/6. A decisão do colegiado formado por um desembargador e duas desembargadoras revoltou familiares e amigos das vítimas.
Todos nós morremos de novo. A Alessandra e a Dani morreram pela terceira vez. Morreram quando foram queimadas vivas, morreram no primeiro julgamento e todos nós morremos juntos com elas com esta decisão. Não foi uma derrota pra mim ou para o Ministério Público. Foi uma derrota para todas a mulheres e todos os homens que amam suas filhas, mães, irmãs e esposas. Isso é muito sintomático e vai plantando no nosso solo, já tão infértil, uma erva daninha que vai destruir cada vez mais as mulheres – desabafou a assistente de acusação Aline Freitas Spinelli. A defesa das vítimas pretende recorrer da decisão no Superior Tribunal de Justiça.
Familiares das vítimas ainda amargaram outra derrota, Rodrigo que havia sido condenado a uma pena de reclusão de 19 anos e 4 meses, teve a pena reduzida para 18 anos. O empresário, que ficou pouco mais de um ano preso, já está em regime semiaberto.
Muito embora, o réu tenha sido condenado, ele foi condenado pelo crime de incêndio com o resultado morte. A acusação entende que o fato de desconsiderar o dolo (intenção de matar) está desconectado da realidade de violência contra mulher, desconectado da legislação do crime de feminicídio, que é um crime hediondo e não permite progressão de regime – afirmou a advogada Aline Spinelli.
Ela considerou que durante a análise do recurso faltou um olhar sensível por parte dos desembargadores com relação à legislação.
O relator chegou a fazer uma analogia ao uso de um aplicativo para medir o dolo. Mas dolo não se mede por aplicativo, se mede de acordo com as circunstâncias que permeiam um caso. E tudo está bem fundamentado nas provas. O autor de um crime que mata alguém pelo uso emprego de fogo é um dos crimes mais perversos, mais abomináveis – defendeu.
Procurada a Defensoria Pública do Rio, que representa o empresário Rodrigo Marotti, informou que não irá se manifestar.
As advogadas de defesa das vítimas defendem que o empresário seja levado a um novo julgamento por duplo feminicídio e não por “incêndio com resultado em morte”, como entendeu júri em 2021. E pretendem recorrer da decisão, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
RELEMBRE O CASO
No dia 8 de outubro de 2019, Rodrigo foi até a casa de Alessandra e invadiu o imóvel. Ele trancou a ex-namorada e a amiga dela Daniela, que também estava no local, dentro de um banheiro. Ele então deu início a um incêndio e usou um colchão em chamas para bloquear a porta do cômodo. Em seguida, Rodrigo fugiu no carro de uma das vítimas e acabou sofrendo um acidente.
As duas mulheres foram socorridas por vizinhos ainda com vida. Elas apontaram Rodrigo como autor do crime. Daniela morreu no dia seguinte, no hospital, com queimaduras em mais de 80% do corpo.
Rodrigo confessou em depoimento à polícia ter cometido o crime. Ele já tinha histórico de ameaças e agressões contra a ex-companheira, de acordo com o Ministério Público. Rodrigo contou aos investigadores que tinha uma sociedade com a ex e que ela não estava cumprindo a parte dela no acordo após o fim do relacionamento, o que o levou a perder a cabeça.