Excomungado da Igreja Católica em 1988 pelo papa João Paulo II e readmitido em 24 de janeiro de 2009 pelo papa Bento XVI, o bispo tradicionalista inglês d. Richard Nelson Williamson, de 75 anos, ordenou bispo – à revelia do Vaticano – os religiosos Jean-Michel Farre e André Zelaya de León. Os dois fatos ocorreram recentemente no Mosteiro da Santa Cruz, localizado na Fazenda da Lage, em Nova Friburgo, e provocou a reação imediata do bispo diocesano Dom Edney Gouvêa Mattoso.
Tais fatos foram comunicados pela Diocese de Nova Friburgo à Nunciatura Apostólica, o consulado do Vaticano em Brasília e responsável pela ordenação de religiosos, sobre as sagrações irregulares promovidas no mosteiro friburguense. Dom Edney Gouvêa Mattoso também divulgou nota oficial sobre o assunto na página da Diocese.
O bispo da Diocese de Nova Friburgo, Edney Gouvêa Mattoso, classificou os ordenamentos como “desobediência em matéria gravíssima” e conclama os fiéis a “não apoiarem de modo algum essa ilegítima ordenação episcopal e as consequências que dela advirão”. E acrescentou: “A ilegítima ordenação episcopal ora em causa será uma desobediência ao papa em matéria gravíssima, num tema de importância capital para a unidade da Igreja, a ordenação dos bispos, mediante a qual é mantida sacramentalmente a sucessão apostólica. Tal ato ilegítimo leva a uma rejeição prática do Primado do Romano Pontífice, constituindo mesmo um ato cismático, com pena de excomunhão automática”, afirmou d. Edney.
Na nota, o bispo de Nova Friburgo confirmou que o Vaticano já foi informado sobre a situação. “Penso poder garantir em nome de todo o clero, religiosos e fiéis leigos ao (…) papa Francisco, o primeiro a quem compete a tutela da unidade da Igreja, a nossa filial união e obediência, em especial nesse doloroso momento. Para tanto, enviarei uma carta para Sua Santidade”, destacou.
Ordenado padre em 1976, Williamson, de 75 anos, integra a corrente católica que foi liderada pelo arcebispo francês Marcel Lefebvre (1905-1991), resistente às reformas instituídas pelo Concílio Vaticano II, entre 1961 e 1965. Em 1970, Lefebvre fundou a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, que segue a doutrina católica anterior ao Concílio. Em 30 de junho de 1988, sem consentimento do papa João Paulo II, ele ordenou bispos Williamson e mais três padres. O ato foi considerado ilícito pelo Vaticano, que excomungou os cinco.
Rompida com o Vaticano, a Fraternidade Sacerdotal continuou funcionando como entidade religiosa, tendo Williamson como um de seus bispos. Hoje, a instituição está presente em 31 países. Além de combater o Concílio, Williamson é famoso pelas frases polêmicas: ele nega o número de judeus mortos na 2ª Guerra Mundial e diz que os ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA foram obra do próprio governo norte-americano.
Em 2009, liderado por Bento XVI, o Vaticano se reaproximou da Fraternidade Sacerdotal e anulou as excomunhões de 1988. Williamson resgatou a condição de bispo, mas sem o poder de realizar atividades inerentes ao bispado católico, como as ordenações. O bispo d. Fernando Arêas Rifan, membro da Administração Apostólica Pessoal S. João Maria Vianney, em Campos dos Goytacazes (município no Norte Fluminense), também condena a ordenação. Ele se autointitula representante da doutrina tradicional. “Estou em comunhão com o bispo d. Edney. O Mosteiro de Santa Cruz está sob a jurisdição do bispo de Friburgo. Está errada essa atitude de d. Richard. Ele está em uma atitude cismática.”
De 1991 a 2002, o grupo de sacerdotes do qual Rifan faz parte permaneceu em situação episcopal irregular por ter sido ordenado por bispos ligados a Williamson. No papado de Bento XVI, a divisão foi sanada e os sacerdotes estão integrados à Diocese de Campos, embora mantenham práticas tradicionais da Igreja, como celebrar missas em latim. Segundo Rifan, o mosteiro em Friburgo é um dos poucos redutos tradicionalistas, que aceitam uma ordenação irregular como as que foram praticadas por Williamson.
NOTA OFICIAL DE DOM EDNEY
Ao Clero, religiosos e fiéis leigos da Diocese de Nova Friburgo
“Com grande tristeza tomei conhecimento da iminente celebração de ilegítima ordenação episcopal no Mosteiro da Santa Cruz, em nossa amada Diocese de Nova Friburgo. Afirma-se “ilegítima” porquanto será realizada sem o necessário mandato apostólico de Sua Santidade Papa Francisco.
Sem dúvida, a gênese de tal ilegítima ordenação episcopal tem já muitos anos. Há que recordar os grandes esforços despendidos pelos Sumos Pontífices São João Paulo II e Bento XVI a fim de assegurar a plena comunhão com a Igreja de todos os seguidores do Arcebispo Marcel Lefebvre. Graças a Deus, muito se tem conseguido e os frutos são numerosos.
No entanto, como se comprova, nem todos atenderam às súplicas e propostas generosas de diálogo e empenho pela comunhão plena.
A ilegítima ordenação episcopal ora em causa será uma desobediência ao Papa em matéria gravíssima, num tema de importância capital para a unidade da Igreja, a ordenação dos Bispos, mediante a qual é mantida sacramentalmente a sucessão apostólica. Tal ato ilegítimo leva a uma rejeição prática do Primado do Romano Pontífice, constituindo mesmo um ato cismático, com pena de excomunhão automática prevista pelo Código de Direito Canônico, tanto quanto ao Bispo Ordenante Richard Williamson como a quem será ordenado Bispo. Ora, não se pode permanecer fiel rompendo o vinculo eclesial com aquele a quem o próprio Cristo, na pessoa do Apóstolo Pedro, confiou o ministério da unidade na sua Igreja.
Como Bispo de Nova Friburgo, cabe-me exortar a todos os fiéis católicos para que cumpram o grave dever de permanecerem unidos ao Papa na unidade da Igreja Católica, e de não apoiarem de modo algum essa ilegítima ordenação episcopal e as conseqüências que dela advirão. Ninguém deve ignorar que a adesão formal ao cisma constitui grave ofensa a Deus e comporta excomunhão também prevista pelo Código de Direito Canônico. Portanto, os sacerdotes e fiéis são advertidos para não apoiar o cisma, caso contrário, incorrerão, ipso facto, na gravíssima pena de excomunhão.
Penso poder garantir em nome de todo o Clero, religiosos e fiéis leigos ao Sucessor de Pedro Papa Francisco, o primeiro a quem compete a tutela da unidade da Igreja, a nossa filial união e obediência, em especial nesse doloroso momento. Para tanto, enviarei uma carta para Sua Santidade. De qualquer forma, tal ato ilegítimo e cismático oferece a todos a ocasião de uma profunda reflexão e um renovado empenho de fidelidade a Cristo e a Sua Igreja.
Finalmente, supliquemos incessantemente a intercessão da Santíssima Virgem Maria, Mãe da Igreja, a fim de que possamos exigir-nos mais diante das palavras do próprio Cristo: Ut omnes unum sint!”
Edney Gouvêa Mattoso – Bispo Diocesano de Nova Friburgo